As coisas de Anne - Trocas da vida



“Realmente é estranho, mas muito estranho mesmo. Algumas pessoas me conquistam facilmente. Não é que eu seja fácil demais de ser conquistada. Acho que sou eu quem as conquista. Só pode.”
- Diário de Anne Sherry, 12/05/2013


Trocas da vida

L
á estavam eles. Anne e Alle sentados no portão de sua casa. A lua estava cada vez mais radiante e ambos gostavam de ver a lua. Não precisavam de muitas palavras para demonstrar o que sentiam. Alguns minutos antes Alle chegou desesperado em sua casa, contando uma história que parecia um capítulo de novela ou de um livro em que há discórdia e amor. Depois do que se antecedera Alle não sabia a quem recorrer. Sua namorada foi vista aos beijos, com outra pessoa. Se fossem apenas boatos, tudo lhe parecia certo. Uma conversa detalhada resolveria tudo. Alle presenciou tudo com seus próprios olhos. Não sabia o que fazer e saiu desesperado ao encontro de Anne. Sabia que ela tinha a resposta para todos os seus problemas. Que ela o faria rir daquela situação complicada. Simplesmente não pensou duas vezes.
A primeira reação que teve foi a de ódio. Queria poder sair de dentro do carro e estrangular os dois. Mas decidiu continuar ali, observando tudo.
- Não fica assim. Eu tinha costume de ser assim também
- Eu nunca me acostumo.
Anne sorriu sem jeito, como se estivesse lembrando-se de algo que há muito tempo não lembraria. Um sorriso sem graça e lindo ao mesmo tempo.
- O que foi?
- Me lembrei de umas coisas.
Alle a olhou e discretamente olhou para a lua. Estavam ambos olhados para a lua cheia, sentados no meio fio da rua. Não havia movimentos de carros ali, muito menos de pessoas. Haviam dois velhos sentados na varando olhando a lua. Alle começou a pensar em Danie e todas as coisas que tinham acontecido no dia. De repente, percebeu o mesmo sorriso torto de Anne. Ele não queria perguntar o que ela estava pensando, então decidiu ficar em silêncio. Não demorou muito, e Anne se sentiu segura para desabafar.
- Quando eu tinha 12 anos me apaixonei por certo garoto. Ele havia mudado para a minha cidade há pouco e não conhecia quase ninguém. Eu me senti na obrigação de poder conversar com ele. Ele era muito estranho. Tinha umas manias estranhas, ele era estranho. Conversávamos todos os dias por essas janelas. Eu estudava do outro lado e ele deste lado. Éramos diferentes de idade em poucos dias, eu sendo a mais velha. Isso não me importava. Na verdade nem um pouco. Eu estava no Colegial e por causa dele, comecei a frequentar lugares que ele frequentava também. Saia com minhas amigas na sexta e no sábado só para ter certeza de que ele ficaria bem. Eu me sentia na obrigação de cuidar dele sabe? Ele quase não possuía amigos e eu era a única em que ele confiava. Ele me contava todas as coisas que acontecia no seu dia-a-dia e eu o amava mais e mais. Eu praticamente sabia de tudo que acontecia com ele. Começamos a sair juntos, em grupinhos. Seus irmãos, ele e eu. O irmão mais velho dele, Guto, era bem barra pesada. Eu sabia que tinha o costume de beber, mas garanto que fiquei bem surpresa quando soube que ele se envolvia com outras coisas a mais. Ele usava todos os tipos de drogas que poderia possuir. Sempre foi assim. Desde os seu quatorze anos, ele, tinha esse vicio. A primeira coisa que eu me perguntei foi se Sebastian, o garoto pelo qual me apaixonei, também era. Essa obrigação de cuidar dele aumentou cada vez mais, e eu sempre que podia, tentava sair mais com eles. Pelo menos quando eu estava por perto, ele nunca tinha feito isso. Sempre que Guto o chamava em um canto, eu sabia exatamente o motivo. Sebastian, apenas olhava para ele e dizia que não iria, pois eu estava ali. Eu senti que se eu me aproximasse mais, talvez eu pudesse mudar a vida dele. Eu me senti uma parte importante dele. Eu fazia o possível para protegê-lo e ele estava me protegendo este tempo todo. Eu ficava feliz. Certo dia ele me disse que eu era seu anjo. E que jamais me deixaria para trás. No outro, ele estava com minha melhor amiga e nunca mais foi o mesmo. As nossas horas conversando na janela, os nossos finais de semanas em que eu simplesmente “o protegia”. Quando soube que ele estava com minha melhor amiga senti um peso no peito. Ver aquela cena, onde eu deveria estar. Eu era sua melhor amiga. Eu nunca soube de nada. De nenhuma parte dos dois. Senti que fui substituída. Ele me trocou simplesmente por outra pessoa, que com certeza, não o entenderia tanto quanto eu.
- Ele se mudou?
- Nunca mais o vi.
O silêncio tomou conta de tudo. Só se ouvia o barulho que soava entre os sinos do vento na porta de Anne. Faziam um barulho cada vez mais diferente. Alle já se acostumava com esse silêncio. Todos os dias era a mesma coisa. Anne era de poucas palavras. Sentiu que era a sua vez de perguntar.
- Porque me contou essa história, Anne?
- Pra você ver que não é, e nunca foi à única pessoa que já foi deixada para trás ou trocada por outra. Algumas pessoas tem essa mania estranha de nos substituir. Sem mais nem menos elas arrumam outras pessoas que podem ser melhores ou piores que nós, para colocar nos nossos lugares. O problema é que nós somos tolos demais para perceber que vamos ser trocados algum dia querendo ou não. Todo mundo mais cedo ou mais tarde sofre por isso. Assim como você foi trocado, eu também já fui várias vezes apesar de nossa diferença de idade. Eu digo que na história de João e Maria, eu não posso colocar outra pessoa como protagonista, mas posso colocar várias bruxas e vilões malvados quanto eu quiser. Posso fazer o contrário também, mas ai a história não teria sentido.
- Espero que você nunca me troque Anne.
- Eu digo o mesmo Alle.
- Seria burrice de minha parte trocar uma amiga que me entende tanto.
- Os outros também disseram isso.
— Geissiane Aguiar, As coisas de Anne - Trocas da vida.

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