A tal Cruz

Nós éramos amigos desde os quatro anos. Ele participava da ordem Demolay e eu adorava vê-lo sair na rua com aquela capa preta enorme. Ás vezes eu puxava aquela capa e ele saia brigando comigo gritando "Para de puxar minha capa preta, linda e maravilhosa!" e logo depois puxava minha orelha, - eu puxava ainda mais a sua capa.
Nós éramos parceiros das confissões mais estranhas: namoricos, estudos, amizades; um entendia o outro, outro entendia o um. 
Nas quintas-feiras pela manhã, ele cabulava a aula de história e eu de português, para podermos tomar café olhando as garotas e garotos jogarem handebol ou futsal na quadra da escola. Ele geralmente me surpreendia com litros de achocolatado saindo de dentro da mochila ou até mesmo algumas frutas. Uma vez ou outra, as “tias” da cantina se acomodavam do nosso lado e ele era querido por todas. Sabia conversar e como tratar as pessoas bem. Todos sabiam quem ele era.
As garotas do colégio praticamente entrariam em uma luta de MMA por ele; olhos cor de folhas secas, cabelo liso, sorriso bonito. Ele era o sonho de todas as garotas.
Nós sempre tivemos um sentimento de irmãos um pelo outro, talvez porque fossemos. Ele me ensinava coisas, inclusive a da minha frase preferida em latim sobre não fazer o mal. Ele repetia sempre “Primum non nocere, Geissiane.”
Ele teria sido um grande médico.
Ele me ensinou a jogar Mario, Donkey kong, Sonic e zerar o God of War. Ele me apresentou as melhores músicas e me ensinou a respeitar as que eu não gostava. Ele me apresentou os livros de Harry Potter e os mais complexos de Dan Brown, me apresentou o poder da escrita e da fala. 
Ele me ensinou que os sonhos, sou eu que posso realiza-los e não as outras pessoas, e que se algo ruim acontecer, sempre terá um bom motivo.
No meu 15º aniversário, ele disse que não queria ou não poderia ir, eu não fiquei nem um pingo chateada, mas seria bom ter meu melhor amigo do meu lado. No meio da festa ele apareceu, mas eu sabia e via nos seus olhos que algo estaria errado. Ele estava sério demais e o brilho dos seus olhos não era mais o mesmo dos outros dias.
Ele me abraçou e me deu uma caixinha vermelha. Vermelho. Sua cor favorita. Na caixinha simplesmente a sua cruz de malta, símbolo da Ordem dos Templários, que significava de alguma forma, honra e nobreza para ele.
Algo muito errado estava para acontecer.
Ele simplesmente me abraçou e começou a chorar. Eu não sabia o que havia se passado e estava realmente preocupada. Foi ai que eu descobri e chorei mais ainda do que ele.
Ele tinha câncer.
O descoberto foi feito quando ele sentiu algumas diferenças em seu corpo e acabou tendo que passar por uma série de exames, fazendo assim com que o médico desse o laudo final.
Foram as melhores semanas da minha vida. Eu o via rir mesmo com todas as dores que ele sentia e não conseguia explicar. 
Ele não se importava exatamente com nada. 
Eu vi seu cabelo cair, vi as quintas feiras do “café da manhã” se desfazerem e terminarem em quintas em hospitais. Ele sempre repetia que eu seria uma boa pessoa. Acho que ele acreditava mais em mim do que eu mesma.
Mas um dia, depois de dores muito fortes, tudo acabou.
Quando recebi a notícia, entrei em choque. Eu deveria estar preparada para qualquer coisa, mas o destino ele costuma brincar comigo e com as outras pessoas. Eu só me lembro de ter acordado e ter me vestido para um velório. Ele estaria sempre sorridente na minha lembrança.
Eu acredito – que as pessoas possuem um dever aqui na terra, e quando essa “missão” é concluída, ela pode descansar em paz. Talvez a missão dele fosse cuidar de mim, até eu decidir quem eu realmente queria ser. Eu me tornei uma pessoa melhor graças a ele.
Naquele dia a minha ultima lembrança era ter segurado a cruz e ter repetido as palavras “Primum non nocere, Geissiane.”.
Ele sempre seria meu amigo irmão, e um dia nos encontraríamos novamente.
“Os bons morrem jovens.”


- Só Shoski.

6 comentários

  1. Quão sofrido foi perder um amigo que era mais que irmão.

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    1. Certas dores só vocè pode saber. Obrigada pelo comentário. Abçs!

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  2. Oi Sk, aconteceu algo parecido nam inha vida, obrigada pelo texto. me identifico

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  3. Real ou fictício?

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