Sou tímida. Já nasci assim, veio de algum
gene que meus pais me transmitiram, o que não deixa de ser estranho, já que eu
sou incomparavelmente mais tímida que os dois juntos. Mas o fato é que desde
criança passo por situações em que eu preferia morrer a ter que enfrentar.
Só quem é tímido – e não me refiro aí aos
falsos tímidos, aqueles que têm uma timidezinha boba de vez em quando, por
exemplo, ao chegar a uma festa sem conhecer ninguém – sabe a dificuldade de se
dizer “não” a um amigo ou de cobrar alguma coisa de alguém. E só nós tímidos
sabemos também o quanto nos custa (literalmente) entrar em uma loja e
experimentar uma roupa, já que é praticamente impossível comunicar à vendedora
que não vamos comprar nada. Teve uma época em que eu só comprava na C&A, não
por ser mais em conta, mas pela liberdade de não ter alguém na cola perguntando
se eu gostei de cada peça que eu resolvesse experimentar.
O verdadeiro tímido tem vergonha de tudo
e de todos. Uma amiga uma vez me disse que toda vez que eu vou me encontrar com
ela, faço uma expressão tão sem graça que chega a ser engraçado. E o pior para
o tímido é exatamente isso, ser desmascarado. Não esqueço um dia quando eu
cursava a oitava série… Eu entrei na sala normalmente, um pouco atrasada como
sempre, e a professora comentou na frente de todos os meus colegas que eu
andava dando pulinhos. Eu fiquei tão vermelha que quase estourei e isso apenas
piorou a minha situação, já que todo mundo começou a comentar que eu estava
vermelha como uma pimenta e a fazer gracinhas com o meu sobrenome (que também
já me rendeu muita vergonha na infância, ao ser chamada – como as crianças são
más! – de Paula malagueta).
Hoje em dia, depois de anos de teatro e
terapia, melhorei demais, mas timidez é doença sem cura, a gente consegue controlar
os sintomas, mas nunca extingui-la por completo. Tem situações que são
clássicas, que até os nada tímidos têm certa dificuldade, e que, para os
tímidos, são ainda piores. Primeiro dia de aula em um novo curso, por exemplo.
Nada pior do que chegar em um lugar totalmente diferente, sem conhecer ninguém.
Dá a sensação de que todo mundo está nos olhando, analisando, e você não sabe o
que esperar, pra onde fugir, em quem confiar… é péssimo. Outra situação dessas:
ir à casa do namorado pela primeira vez. Eu juro que tenho vontade de entrar
debaixo do tapete da porta de entrada e cavar um buraco pra sair do outro lado
do mundo. Essa situação causa timidez em quase todo mundo, mas a minha não
passa nunca. Depois da milésima vez na casa dele, eu ainda tenho vergonha. Meu
caso é grave.
Muita gente me afronta e diz que eu não
sou tímida nada, que eu nunca subiria em um palco se minha timidez fosse de
verdade. Eu digo que uma coisa não tem nada a ver com a outra. O palco possui
uma parede invisível e quando eu subo nele, é como se eu não visse ninguém.
Além disso, quando as pessoas vão em alguma das minhas apresentações, é
esperado que eu cante, já vão sabendo disso. Muito diferente é ir a um
churrasco e me pedirem para tocar violão. Morro de vergonha. As pessoas param
de conversar e ficam me olhando, na expectativa. A minha voz nem sai direito,
tamanha a vontade de desaparecer do recinto.
Baltasar Gracián, em seu livro “A Arte da
Prudência”, iluminou um pouco a razão de toda essa minha vergonha. Ele
aconselha a não falar sobre si mesmo: “Ou se gabará, o que é vaidade, ou se
criticará, o que é humildade.” Ao ler isso, eu percebi um fato… Por mais que eu
tenha o que falar sobre a minha vida, fico sempre com receio de me acharem
convencida, e eu tenho tanta aversão por pessoas que se consideram o máximo que
prefiro que me achem de menos ao invés de demais. Tenho pânico de pensar que
estão pensando que eu gosto de me gabar.
Os psicólogos dizem que timidez, na
verdade, é orgulho. O tímido seria alguém com tal mania de perfeição que não se
dá o direito de errar. Não concordo. Eu digo que o tímido é alguém que tem
vergonha de errar, de acertar, de ser julgado ignorante, de ser considerado
inteligente, de ser taxado prepotente…
Eu tenho vergonha das minhas amigas, do
meu namorado, da minha família, das atendentes de lojas, do médico, do
dentista, do caixa do supermercado, de qualquer um que passe na minha frente e
me olhe. Tenho vergonha do meu corpo, do meu cabelo, das minhas roupas, do meu
jeito, dos meus gostos… Mas eu já descobri – até há bastante tempo – o antídoto
da timidez. Quando eu gosto e quero realmente alguma coisa, vergonha nenhuma
impede. Aí eu finjo que eu sou uma outra pessoa, coloco uma base no rosto para
disfarçar a vermelhidão e vou em frente. É assim inclusive com essas crônicas,
que eu tenho vergonha de publicar, mas gosto demais de escrever para parar.
— Paula Pimenta
Qual o nome da crônica?
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