Nós nos conhecemos no final de 1980. Eu
morava na mesma rua que você e ficava olhando da janela da sala, esperando te
ver passar acompanhado de vários outros rapazes, conversando sobre assuntos que
eu nem conseguia imaginar. Na época eu estava com meus 16 anos e uma vida pouco
movimentava. As únicas coisas que a movimentavam eram algumas apresentações de
piano por aqui e por ali. Você aparentava ter uns 22 ou 23 anos, e era o centro
das atenções. O nosso comum, era sairmos as sextas com nossos grupinhos para
podermos passear e nos divertir um pouco. Eu com minhas amigas, você com os
seus. Eu ficava horas te observando até você sair por aquela porta com eles.
Sem dar à mínima. Era uma espécie de amor platônico. Eu amava por dois. Com o
tempo comecei a perceber coisas que em outros momentos, parecia estar cega. Você
nunca saberia dessa minha paixão e eu, estava disposta a [tentar] te esquecer. Até
que você resolver ir a uma das minhas apresentações.
As aulas de piano eram as únicas coisas
que conseguia me manter firme e forte sem a presença de um carinho por parte de
minha mãe. Ela, tinha sido grande pianista, com direito a apresentações em
lugares com nomes estranhos que eu nem me lembro mais. Meu pai, - militar cheio
de regras que hoje eu chamo de cuidados -, possuía olhos e cabelos negros, que,
já demonstravam certos fios calvos e claros. O piano me acalmava de certa forma,
que pareciam tirar meu pé do chão. Eu sentia que ali naquelas teclas brancas e
pretas, possuía um pouco de minha mãe em mim. Era o que preenchia o vazio no
meu peito causado pela sua morte.
O tempo foi passando e eu fui aprendendo cada
vez mais que o piano era a minha paixão de agora em diante. As minhas
apresentações, eram cada vez maiores, mas nunca saberia que você estaria ali. Mal
acreditei que era você. Bem na minha frente. Na minha apresentação. De certa
forma, você veio me ver, assim eu prefiro entender. O jeito com que você olhava
com seus olhos cor-de-folhas-secas, parecia acompanhar cada nota que eu tocava,
de uma maneira terna, tentando entender os motivos das verdadeiras coisas.
A música era uma sonata ao luar de Beethoven,
a minha favorita. Costumava tocar para meu pai nos dias de chuva, enquanto as
gotas escorriam pela janela afora. Lembro-me de que era primavera e eu, estava com
um vestido que meu pai dizia lembrar minha falecida mãe. Eu amava aquele
vestido. E agora, me amava, pois você estava ali e eu estava com ele. Pode
parecer bobagem, eu fiquei surpresa. As coisas pareciam finalmente estar ao meu
favor.
Após a apresentação, várias pessoas vieram
me abraçar. O meu sorriso era enorme. Os meus olhos, saiam a encontro da
multidão e nem mesmo me preocupava em dar ouvidos a aqueles elogios que eram os
mesmos todas às vezes. Vi você sair pela porta sem ao menos se despedir. Meu
coração se partiu. Meu sorriso se desfez. Voltei para o piano e fui recolher
minhas partituras. No meio delas, encontrei um bilhete. Um bilhete seu. Nele
dizia que seria um prazer me conhecer melhor e que eu seria sempre uma princesa
pianista. Lá, dizia para nos encontrarmos dois dias depois na praça principal,
no horário de almoço. O dia seguinte foi o melhor de minha vida. Eu parecia
estar mais alegre e minhas canções iam de Mozzart a Chopin sem nenhum esforço.
Eu amava piano, você, pelo pouco que eu
sabia e havia ouvido pelas suas conversas na janela, era vidrado em jogos e
matemática. Completávamo-nos, e eu sabia disso. Era um caso perfeito se o tempo
e o destino não quisessem interromper o amor de dois jovens, com um lindo
futuro e sonhos diferentes pela frente.
Meu pai me veio com a notícia. Iríamos
nos mudar no dia seguinte. Meu pai havia sido promovido e tudo mudaria. Pra
sempre. Não daria tempo de nada, só de arrumar as malas.
Hoje, quase 30 anos depois com meu pai já
falecido, escrevo cartas e histórias que eu nem mesma leio. Sou uma pianista,
como minha mãe. Mas sempre que faço uma apresentação, Moonlight Sonata está no
repertório e sempre no final, olho para os lados, para ver se encontro o
garoto, que agora já deve ser um senhor, dos olhos cor-de-folhas-secas, olhando
cada movimento que eu faça em meio às notas e às partituras.
Fico pensando, se você realmente me
aguardou naquela primavera. Fico refletindo, se estaríamos juntos se não fosse
pela minha mudança repentina de cidade. Mas ainda fico na esperança, de achar
um bilhete no meio das minhas partituras após uma apresentação, para ao menos,
poder ter uma conversa e te explicar tudo o que aconteceu, e poder te dizer, que meu amor há 30 anos, só pertence a você, e eu sempre serei, sua princesa pianista.
E agora eu choro, quando ouço Sonata ao Luar. – Geissiane Aparecida de Aguiar – Sk’
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