Crônica - Paula Pimenta




Sou tímida. Já nasci assim, veio de algum gene que meus pais me transmitiram, o que não deixa de ser estranho, já que eu sou incomparavelmente mais tímida que os dois juntos. Mas o fato é que desde criança passo por situações em que eu preferia morrer a ter que enfrentar.
Só quem é tímido – e não me refiro aí aos falsos tímidos, aqueles que têm uma timidezinha boba de vez em quando, por exemplo, ao chegar a uma festa sem conhecer ninguém – sabe a dificuldade de se dizer “não” a um amigo ou de cobrar alguma coisa de alguém. E só nós tímidos sabemos também o quanto nos custa (literalmente) entrar em uma loja e experimentar uma roupa, já que é praticamente impossível comunicar à vendedora que não vamos comprar nada. Teve uma época em que eu só comprava na C&A, não por ser mais em conta, mas pela liberdade de não ter alguém na cola perguntando se eu gostei de cada peça que eu resolvesse experimentar.
O verdadeiro tímido tem vergonha de tudo e de todos. Uma amiga uma vez me disse que toda vez que eu vou me encontrar com ela, faço uma expressão tão sem graça que chega a ser engraçado. E o pior para o tímido é exatamente isso, ser desmascarado. Não esqueço um dia quando eu cursava a oitava série… Eu entrei na sala normalmente, um pouco atrasada como sempre, e a professora comentou na frente de todos os meus colegas que eu andava dando pulinhos. Eu fiquei tão vermelha que quase estourei e isso apenas piorou a minha situação, já que todo mundo começou a comentar que eu estava vermelha como uma pimenta e a fazer gracinhas com o meu sobrenome (que também já me rendeu muita vergonha na infância, ao ser chamada – como as crianças são más! – de Paula malagueta).
Hoje em dia, depois de anos de teatro e terapia, melhorei demais, mas timidez é doença sem cura, a gente consegue controlar os sintomas, mas nunca extingui-la por completo. Tem situações que são clássicas, que até os nada tímidos têm certa dificuldade, e que, para os tímidos, são ainda piores. Primeiro dia de aula em um novo curso, por exemplo. Nada pior do que chegar em um lugar totalmente diferente, sem conhecer ninguém. Dá a sensação de que todo mundo está nos olhando, analisando, e você não sabe o que esperar, pra onde fugir, em quem confiar… é péssimo. Outra situação dessas: ir à casa do namorado pela primeira vez. Eu juro que tenho vontade de entrar debaixo do tapete da porta de entrada e cavar um buraco pra sair do outro lado do mundo. Essa situação causa timidez em quase todo mundo, mas a minha não passa nunca. Depois da milésima vez na casa dele, eu ainda tenho vergonha. Meu caso é grave.
Muita gente me afronta e diz que eu não sou tímida nada, que eu nunca subiria em um palco se minha timidez fosse de verdade. Eu digo que uma coisa não tem nada a ver com a outra. O palco possui uma parede invisível e quando eu subo nele, é como se eu não visse ninguém. Além disso, quando as pessoas vão em alguma das minhas apresentações, é esperado que eu cante, já vão sabendo disso. Muito diferente é ir a um churrasco e me pedirem para tocar violão. Morro de vergonha. As pessoas param de conversar e ficam me olhando, na expectativa. A minha voz nem sai direito, tamanha a vontade de desaparecer do recinto.
Baltasar Gracián, em seu livro “A Arte da Prudência”, iluminou um pouco a razão de toda essa minha vergonha. Ele aconselha a não falar sobre si mesmo: “Ou se gabará, o que é vaidade, ou se criticará, o que é humildade.” Ao ler isso, eu percebi um fato… Por mais que eu tenha o que falar sobre a minha vida, fico sempre com receio de me acharem convencida, e eu tenho tanta aversão por pessoas que se consideram o máximo que prefiro que me achem de menos ao invés de demais. Tenho pânico de pensar que estão pensando que eu gosto de me gabar.
Os psicólogos dizem que timidez, na verdade, é orgulho. O tímido seria alguém com tal mania de perfeição que não se dá o direito de errar. Não concordo. Eu digo que o tímido é alguém que tem vergonha de errar, de acertar, de ser julgado ignorante, de ser considerado inteligente, de ser taxado prepotente…
Eu tenho vergonha das minhas amigas, do meu namorado, da minha família, das atendentes de lojas, do médico, do dentista, do caixa do supermercado, de qualquer um que passe na minha frente e me olhe. Tenho vergonha do meu corpo, do meu cabelo, das minhas roupas, do meu jeito, dos meus gostos… Mas eu já descobri – até há bastante tempo – o antídoto da timidez. Quando eu gosto e quero realmente alguma coisa, vergonha nenhuma impede. Aí eu finjo que eu sou uma outra pessoa, coloco uma base no rosto para disfarçar a vermelhidão e vou em frente. É assim inclusive com essas crônicas, que eu tenho vergonha de publicar, mas gosto demais de escrever para parar.
—        Paula Pimenta


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